sábado, 31 de julho de 2010

PRIMEIRO CONGRESSO MUNDIAL SOBRE ANEMIA FALCIFORME EM ACCRA (GHANA)



O MUNDO REUNIU-SE, FINALMENTE, EM CONGRESSO PARA TRATAR DA ANEMIA FALCIFORME.

ESTIVE LÁ, NA MINHA QUALIDADE DE PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO ANGOLANA DE APOIO AOS DOENTES DE ANEMIA FALCIFORME (ADAF).

E PORQUE SOU JORNALISTA, APROVEITEI PARA ESCREVER SOBRE O EVENTO. TENTAÇÃO IRRESISTÍVEL, ATÉ PORQUE PARA O MUNDO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL, A ANEMIA FALCIFORME É SEMPRE UM TEMA ESQUECIDO PELAS PAUTAS.

O QUE ESCREVI E PUBLIQUEI NO SEMANÁRIO O PAÍS, está aqui, disponível para todos.







As esperanças e desesperanças da Anemia Falciforme

Ao longo de praticamente uma semana, o mundo da ciência fechou-se em Accra para debater caminhos e tendências que relancem a esperança dos milhões que enfrentam a dureza da Drepanocitose

Luís Fernando
enviado a Accra (Ghana)

Sem respostas definitivas mas com um pequeno punhado de soluções prováveis, terminou na capital do Ghana, a cidade de Accra, a maior de todas as reuniões alguma vez realizada para debater, em ambiente de ciência, o que se conhece e o que se precisa saber e fazer em nome dos doentes de Anemia Falciforme (Drepanocitose).
Desta vez foi o Primeiro Congresso Mundial sobre a Anemia Falciforme, evento que deverá ter inaugurado um novo ciclo no modo de a Humanidade lidar com a patologia, estabelecendo, para já, a necessidade de encontros semelhantes de tempos a tempos. Assim, o próximo congresso mundial será dentro de dois anos, na cidade norte americana de Atlanta.
Accra foi, no entendimento de grande parte dos delegados ao Congresso, um ponto de viragem por ter conseguido a mais alargada participação de sempre, com a presença dos mais influentes e prestigiados pesquisadores à escala planetária. Durante as intensas jornadas, praticamente tudo o que a Humanidade tem como conhecimento acumulado sobre a doença – desde diagnóstico, terapia, acompanhamento e até o modo de a evitar – foi abordado nos vários painéis, ficando-se a saber, com exactidão, o que acontece a respeito dessa doença do sangue em todas as regiões do Mundo onde ela está presente, a saber: África em maior proporção, América, Médio Oriente, Ásia e Europa Mediterrânica.
Respostas no presente

Médicos, enfermeiros, pessoal clínico de distintos saberes e habilidades, pacientes e pais, de um encontro com a dimensão do Congresso de Accra, esperam sempre o mesmo: o que fazer no dia-a-dia da batalha contra a Anemia Falciforme?
Os procedimentos no manuseio dos casos, batidos e rebatidos pela prática hospitalar, não mostraram grandes variações, numa análise global das experiências transmitidas pelos oradores, pelo que a atenção principal centrou-se nas pesquisas de medicamentos, os novos e os que já existem há algum tempo.
A satisfação que tomou conta do grande encontro foi pelo facto de as pesquisas demonstrarem que este campo continua acutilante, empenhado, contrariando o severo deserto de muitas décadas do passado, em que os médicos e seus assistentes dispunham de pouquíssimas opções para aliviar o sofrimento dos seus pacientes. Escassas opções farmacológicas para minguados resultados de sobrevida, uma verdade amarga que se tornou traço distintivo da luta universal contra a Anemia Falciforme, a tal ponto que muitos profissionais de saúde aprenderam em cátedras e manuais que a existência da Drepanocitose não era mais do que um desígnio do Destino para estabelecer o princípio da selecção natural da espécie.

O caminho até Atlanta
Depois do Ghana, abre-se um percurso que vai exigir novas e decisivas performances da ciência no seu conjunto, para que o congresso de 2012 não se converta em reunião para “mais do mesmo”. Ou seja, o grande repto lançado pelo evento que acaba de ter lugar em Accra é o de se trabalhar intensamente para que se chegue ao encontro da América com respostas clínicas efectivas. Os doentes esperam isso, os seus familiares e, obviamente, os profissionais de saúde pública.

CONGRESSO ANEMIA FALCIFORME / IMPRESSOES DE UM PACIENTE


José António de Sousa Mangueira, 43 anos, contabilista, residente em Benguela, foi o único angolano que participou no Primeiro Congresso Mundial sobre Anemia Falciforme na condição de paciente.
Estar em Accra resultou de um acto de determinação e fé, com custos enormes para o bolso: cinco mil dólares foi quanto gastou, em despesas com passagens aéreas, hotel e alimentação.
Na leitura que faz do evento, é directo: “Achei interessante o Congresso, muito bom, porque demonstrou que do ponto de vista médico, os países estão preocupados, uns mais do que os outros naturalmente. Destaco os Estados Unidos da América, o Brasil, e em África senti empenho do Ghana, da Nigéria, do Benin. Estão organizados, têm associações de Anemia Falciforme fortes, representativas, e os seus governos estão empenhados”.
Aos 43 anos de idade, José Mangueira tem um historial de sofrimento que é escusado relatar. Imagina-o qualquer um que saiba como actua a Drepanocitose. Por isso, não é de utopias: “Estamos conformados que a doença não tem cura fácil, mas o que gostaria que houvesse é mais investigação. Não falo tanto de investigação nos países ricos como os Estados Unidos, a Europa, o Brasil, que eles lá pesquisam para eles, para as suas populações. Gostaria de ver os africanos unidos, a trabalharem em conjunto, os governos a apoiarem as pesquisas”.
Para Angola, onde lembra que pelo menos 20% da população sofre de Anemia Falciforme, José António de Sousa Mangueira tem ideias muito concretas sobre o que acha que deve ser o caminho: “Precisamos que muita coisa seja feita, à semelhança por exemplo do Brasil, um país forte na atenção ao doente com Anemia Falciforme, com programas de análises, consultas, aconselhamento, acompanhamento. Em Luanda ainda é possível ver-se alguma coisa, mas nas restantes províncias falta tudo, não se vê nada; as pessoas sofrem e muitas delas nem sequer sabem que têm a doença. Seria bom que o Governo subvencionasse os medicamentos, porque são muitas as famílias que não têm condições para lidar financeiramente com esta doença crónica”.

A ANEMIA FALCIFORME E A GUERRA DOS FÁRMACOS




Lá decorreu, portanto, o primeiro Congresso Mundial sobre Anemia Falciforme, que colocou, quiçá como nunca antes, a chamada “doença das células” – no dizer inocente das nossas populações – no palco dos assuntos de que se falam, com maior ou menor interesse da comunicação social.
O que há quinze dias nesta mesma coluna antecipávamos que fosse acontecer, não fugiu um milímetro sequer dos factos: o evento não encheu os noticiários televisivos nem as rádios lhe dedicaram grandes espaços com comentadores residentes ou de passagem a debitar altos saberes. Os jornais, salvo alguns do país anfitrião (Ghana), pareceram mais interessados no rescaldo da Copa do Mundo da FIFA, nas novas colecções de moda na Europa e nos tropeços da guerra dos aliados no Afeganistão. Basta que se vá ao motor de busca da Internet mais popular, o Google, se digite “primeiro congresso mundial sobre anemia falciforme” e o pouco que lá se pode ler é quase só e apenas o que um tal enviado da imprensa angolana debita.
Numa palavra, pois, a mediatização da Anemia Falciforme enquanto grave e doloroso mal que afecta milhões, continua muito pobrezinha, tímida e inexpressiva, muito provavelmente porque esses milhões não são os milhões que poderiam fazer tilintar as caixas registadoras dos que planeiam a geografia monetária do Mundo. É, claramente, um problema de mercados: mercado de audiência de mídia, mercado de consumidores, mercado de capitais para apoiar as pesquisas.

Indiferença...

A cristalizada indiferença do Mundo que define os rumos da Humanidade para os assuntos que não são da esfera do seu umbigo, não deixou de estar presente no Congresso de Accra, sob diversas formas. Seria o cúmulo da ingenuidade esperar que uma reunião desse calibre, organizada nos moldes em que foi organizada e com os centros de decisão e financiamento localizados num determinado ponto, ela fosse transformar-se num fórum absolutamente asséptico, com uma igualdade insuspeita de oportunidades para todos, quer na abertura dos caminhos para a participação, quer na chance de se poder transmitir ideias ao Mundo.
Deve-se dizer, com coragem e em consciência, que o Congresso do Ghana, ao mesmo tempo que se mostrou como um evento global para se fazer o ponto da situação da doença drepanocítica, tomar-lhe a pulsação, perceber o que andam os governos e os especialistas nas diferentes regiões do Mundo a fazer, ele teve o inevitável direccionamento subtil que todo organizador – seja de uma pequena festa de quintal como de uma seríssima reunião da ONU- faz sempre questão que tenha.
Por muito que se tivesse tido o cuidado de aparentar que se estava em Accra com predisposição e mente aberta para se ouvir de todos o que todos fazem, pesquisam e contribuem a favor dos sofridos doentes de Anemia Falciforme, um olhar menos displicente para o conteúdo dos debates permitirá chegar facilmente à conclusão que quem organizou – insiste-se, organizou e meteu dinheiro para que as condições logísticas não inviabilizassem o encontro: passagens aéreas, hotéis, refeições, documentação…- tinha uma opção a fazer vingar ou, no mínimo, a “vender” aos presentes como ideia. Isso, sobretudo, no capítulo dos fármacos a definir como os ideais…ou o ideal.

Medegan…

É portanto compreensível que numa reunião como essa, um outsider – ou seja, pessoa ou entidade que corre por fora – tenha dificuldade real para se impor. Sentiu-se isso, claramente, com o inventor do VK 500, o bioquímico beninense Medegan Fagla Jerome. Não só não recebeu dos organizadores qualquer convite expresso para, enquanto pesquisador, expor as suas experiências como aconteceu com estudiosos da Índia, de Granada, do Brasil, do Bahreim, da RDC, do Ghana e de outros lugares (e aqui não colhe a alegação mil vezes repetida de não possuir trabalhos científicos publicados, até porque o primeiro grande ensaio que levou à validação da descoberta pelo Institiuto Francês de Propriedade Industrial, o INPI, e a subsequente autorização de produção do VK 500 por um laboratório do sul da França foi feito numa instituição científica de Accra, há 20 anos) como foi nítida a intenção de o acantonar, percebida na única sessão do Congresso em que participou.
Foi na sexta-feira 23 de Julho, dia em que o evento terminou, e aconteceu durante a manhã, quando o painel constituído por vários especialistas convidados respondia a perguntas escritas recebidas da plateia. O beninense enviou para o presidium a sua pergunta, redigida em francês e que –como revelou depois a O PAÍS – dizia mais ou menos isto: “Meu nome é Medegan Fagla Jerome, sou médico e bioquímico do Benin, trabalho em pesquisas sobre Anemia Falciforme e tenho um produto patenteado, o VK 500, e gostaria de ouvir do painel um comentário sobre o valor das plantas na terapia da Anemia Falciforme”.
Na ordem e no tempo em que a pergunta chegou à mesa, percebeu-se claramente que ela foi sendo protelada até ao momento em que o moderador – um conceituado professor ghanense, curiosamente o homem que há 20 anos liderara o ensaio para aferir da eficácia ou não do VK 500 em Accra – anunciou, não sem uma certa surpresa, que ia dar daí a pouco a oportunidade para uma última pergunta. Temendo que a sua questão fosse intencionalmente omitida, Medegan Fagla Jerome reenviou ao painel a mesma pergunta, mas agora redigida em língua inglesa, e que, in extremis, acabou por ser apresentada. Por razões que não parecem muito ligadas à pressa, o apresentador-moderador disse apenas: “alguém da plateia pergunta sobre a utilização de plantas medicinais no tratamento da Anemia Falciforme”. Nem referência ao autor (afinal Medegan Fagla Jerome não é propriamente um anónimo nestas lides para ser apresentado apenas como “alguém da plateia”), nem alusão ao nome do seu produto, no que foi defendido por um dos integrantes da delegação angolana com quem o enviado de O PAÍS comentou o episódio, como uma “necessidade talvez de não se fazer publicidade comercial num evento destes”. Talvez seja…

Cannabis…

Na resposta, o especialista de Granada relatou a experiência do emprego com sucesso no seu país da marijuana no alívio dos sintomas da Anemia Falciforme (e esta?) mas outro membro da mesa apressou-se a pedir a palavra para dizer que “a ciência só conhece um caso em que as plantas serviram para tratar de uma doença em África, que é a malária” e que na “Anemia Falciforme nada disso faz sentido”.
Pronunciamento que, como era de esperar, provocou visível desconforto em Medegan Fagla Jerome e com certeza em todos os demais participantes – como a delegada da Nigéria, que falara emocionada e longamente na véspera sobre o grande sucesso do uso de plantas medicinais nas aldeias do seu país, para cuidar dos doentes de Anemia Falciforme – e que conduziu a um enérgico bate-boca nos corredores do Centro Internacional de Conferências de Accra.
Momentos como esse, infelizmente com ecos anteriores e reiterados noutros lugares como aqui mesmo em Angola, tendentes a “demonstrar” que o uso de plantas no combate aos males do corpo é coisa de charlatães (de onde virá essa teoria?), provocam angústia nos doentes, que só querem, no meio de toda a polémica, uma solução para o seu problema de saúde: é-lhes indiferente que o alívio se chame cápsula, injecção, comprimido, chá, pau, raiz, pasta, folha. Só precisam de melhorar o seu estado clínico e estar livres da toxicidade que certos remédios contêm.
No caso específico do VK 500, é muito mais acentuada essa angústia, quando a esmagadora maioria dos que utilizam o produto se sentem bem e a única coisa que querem é que não lhes falte. E para os que por uma razão ou outra acompanham o quase calvário do beninense, não podem deixar de falar em injustiça e incompreensão (no mínimo) quando sabem que o homem continua a ser intensamente procurado no seu consultório em Cotonou. Coincidência ou não, a sua chegada tardia ao Congresso de Accra ficou a dever-se a um caso gravíssimo de um adolescente angolano de 19 anos, chegado dias antes ao Benin, e que tratou com pleno sucesso antes de fazer a viagem até ao Ghana.
Para os seus detractores, estes são apenas episódios isolados que não dizem nada, pois até pode se dar o caso de “os pacientes melhorarem por simples acaso”. Variadíssimas vezes esta alegação foi escutada, mas o certo é que há quase três décadas que o mundo que pode fazê-lo procura por Medegan Fagla Jerome para encontrar alívio para a Anemia Falciforme.
Os menos intolerantes e os que se vão convertendo ao cada vez maior volume de evidências, aceitam que o VK 500 tem certamente propriedades válidas e eficazes, mas que, para derrubar as últimas barreiras, é preciso que, de uma vez por todas, se faça um ensaio com uma amostra representativa de doentes. O tal que a Associação Angolana de Apoio aos Doentes de Anemia Falciforme – é bom que se diga, a bem da verdade – fez questão de solicitar a seu tempo às autoridades competentes que fosse feito, para não se caminhar em terreno de suspeições. Nunca foi feito e, para piorar, a ADAF surgiu no meio do fogo cruzado como “irresponsável por tentar impingir um remédio de que não se tinham estudos conclusivos”, como se não fosse ela, pelo contrário, a exigir, por correspondência oficial e todos os demais meios disponíveis, que os especialistas angolanos dissessem de sua verdade o que tem de bom ou de mau o composto de plantas vindo do Benin. Episódio que, contudo, se tem como ultrapassado, até porque a urgência da Anemia Falciforme não está para guerrilhas que desunem, como se sabe.

Ensaio....

Há que seguir em frente. E seguir em frente quer dizer que Medegan Fagla Jerome terá de jogar a sua última cartada, fazendo das tripas coração para promover esse ensaio, ao qual, verdade seja dita, se recusa algumas vezes por achar que se o remédio já foi patenteado, é porque permanece válido o estudo que conduziu a esse momento. Falta pragmatismo ao beninense, já se vê, e muito jogo de cintura para suplantar as armadilhas naturais do mais intrincado dos mundos geradores de receitas bilionárias, a indústria farmacêutica. Há que perceber que à mulher de César não basta sê-lo, tem também de parecer!
O mundo científico, os Estados, as instituições de saúde, pedem certezas, provas, demonstrações. Neste caso, batem e baterão sempre na tecla de que é incontornável o ensaio em humanos, para se conhecerem todos os parâmetros do produto: princípio activo, eficácia, reacções adversas, etc. Há toda a legitimidade na posição, em defesa das populações que se hão-de expor ao uso massivo posterior do fármaco.
Foi isso o que escutou Medegan Fagla Jerome nos muitos encontros de bastidores e informais que teve em Accra no âmbito do Congresso sobre Anemia Falciforme. Falou com médicos do Brasil, do Congo Democrático, de Angola, do Ghana: em todos eles, o mesmo.
Portanto, o caminho está indicado: sair-se do clima de suspeição e desinteligências, para se fazer o que tem de ser feito: um ensaio abrangente, que acabe com as dúvidas em definitivo. O resto será o resto.
E a pergunta levantada a partir de Accra recoloca-se: quem dá o primeiro passo no financiamento do ensaio do VK 500?
Se nada acontecer, chegaremos a Atlanta 2012 para o segundo Congresso Mundial sobre Anemia Falciforme com o VK 500 ainda como o pária que todos querem, para bem ou para mal. O que seria uma tremendíssima pena, convenhamos.

ANEMIA FALCIFORME, O QUE É?



É uma doença do sangue, hereditária e que deve o seu nome ao formato dos glóbulos vermelhos (hemácias), que no lugar de redondos se tornam semelhantes a foices. Só nasce uma criança com Anemia Falciforme quando o pai e a mãe contribuem com a hemoglobina S presente nos seus genes.
Onde existe?
A AF é comum em África, na América e Caraíbas, Europa mediterrânica, no Médio Oriente e na Índia.

Manifestações
Crises de dor frequentes, por vaso-oclusão
Hemoglobina baixa que obriga a transfusões sanguíneas constantes
Icterícia (olhos amarelados)
Osteomielite
Priaprismo
Acidente vascular encefálico, etc.

Tratamento
- Para cura, transplante de medula óssea, procedimento onde a existência de um doador compatível é incontornável. Maior sucesso em crianças, mas continuam os estudos e as pesquisas para transplantes com maior segurança.

- Para tratamento visando o alívio (não cura) usa-se hoje tendencialmente a hidroxyurea, um quimioterápico que entretanto levanta inquietações relativamente aos seus efeitos secundários. Tem ensaios feitos nos EUA mas ninguém está em condições de garantir, com exactidão, como actua no contexto de África, onde existem doenças que na América do Norte não se encontram, como a malária. O estado nutricional das crianças africanas, em tudo diferente ao dos petizes americanos, é outro dos pontos que conduzem a reticências.
- transfusões nos episódios exacerbados da anemia. Os pacientes com complicações graves, como Acidente Vascular Cerebral (AVC) são submetidos a regimes regulares de transfusão sanguínea.

Cuidados especiais
Devem ser evitados os casamentos entre pessoas AS. Do mesmo modo que nos tempos actuais é fundamental o conhecimento prévio do estado serológico em atenção ao risco do HIV/SIDA, quem se prepara para constituir família deve saber se existe ou não de se gerar filhos com Anemia Falciforme.

Estatuto
Problema de saúde pública

Dia Mundial da AF
Celebra-se a 19 de Junho de cada ano o Dia Mundial da Anemia Falciforme. Foi instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2008.


Primeiro diagnóstico
Foi feito em 2010 (há cem anos) , no Presbyterian Hospital de Chicago, pelo cardiologista norte americano James Herrick, que depois publicou a observação. O paciente era Walter Clement Noel, nascido em Granada e bolseiro numa universidade de Chicago, do curso de Estomatologia.
Curiosidades

Lassana Diarra, jogador da selecção francesa de futebol, não jogou o Mundial da África do Sul por lhe ter sido diagnosticado Anemia Falciforme durante os treinos preparatórios nos Alpes Franceses. A decisão desencadeiou um debate: cautelas médicas ou um acto de descriminação genética?

CONGRESSO ANEMIA FALCIFORME A VOZ DE UM PEDIATRA


Como eu vi o Congresso

JOAQUIM CARLOS VANDUNEM*

O Congresso Mundial sobre anemia falciforme que teve lugar de 20 a 23 de Julho de 2010 em Accra (República do Ghana), e que reuniu pela primeira vez, especialistas de todo o mundo para reflectir e partilhar experiências, conhecimentos e também, porque não dizer, angústias acerca de uma doença já centenária, que geralmente não tem cura e que afecta populações em África, Médio Oriente, América (do Norte, central e do Sul), Europa e médio Oriente. O fardo da doença em África é espelhado pelas cerca de 250.000 crianças com anemia falciforme nascidas todos anos e um subsídio de 10 a 20% para a mortalidade neonatal na África do Oeste (segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde).
As prelecções e os debates que lhes sucederam traduziram a complexidade da doença e colocaram a nu as implicações da doença na sobrevida dos doentes, na sua qualidade de vida e a sua interferência na vida dos seus familiares. Os desafios que se colocaram lato sensu relacionam-se com a extensão dos procedimentos de diagnóstico precoce e do arsenal terapêutico que se revelaram efectivos no alívio do fardo da doença, em países desenvolvidos, para os países em desenvolvimento, particularmente os africanos (no qual se inclui Angola)
Ficou claro que existe uma longa agenda científica por cumprir nos países africanos, que vai da triagem neonatal para os grupos e populações de risco à pesquisa de novos medicamentos, passando pelo aconselhamento genético, a vacinação protectora contra as bactérias mais letais nesses doentes e o seguimento adequado dos doentes permitindo que alcancem a idade adulta com qualidade de vida. O detalhe na discussão da agenda foi endereçado aos países (particularmente aos africanos em que a prevalência da doença é elevada), nomeadamente se realizar a triagem universal ou apenas aos grupos de risco, a realização de ensaios clínicos para validar fármacos que se revelaram efectivos em Países desenvolvidos, a optimização dos calendários vacina existentes para incluir a vacina contra Pneumococos e a integração dos programas destinados para a Anemia falciforme nos programas de cuidados primários, permitindo que os cuidados sejam mais abrangentes, mais próximos da população e portanto mais equitativos.
A comunidade científica entendeu que, doravante, os encontros científicos deverão ser bem menos espaçados e com auditoria do cumprimento da agenda ora estabelecida; assim ficou estabelecido que dentro de dois anos, muito provavelmente em Atlanta (EUA), terá lugar o 2º Congresso Mundial de anemia falciforme. Em definitivo o mundo dos doentes com anemia falciforme não voltará a ser o mesmo depois de 20 de Julho de 2010.


*Pediatra do Hospital David Bernardino; Mestre em Saúde Materno Infantil (MSc) e Doutor em Medicina tropical (PhD); professor auxiliar do Departamento de Pediatria da Universidade Agostinho Neto

MEDEGAN FAGLA JEROME NO PRIMEIRO CONGRESSO SOBRE ANEMIA FALCIFORME


trocando impressões com especialistas a vários níveis e de diferentes países (nas fotos, do Brasil e de Angola) para se procurar uma saída para o impasse que faz demorar a chegada do fármaco VK 500 ao mercado
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Medegan Jerome e o efeito vuvuzela
Na recém-terminada Copa do Mundo de Futebol, na África do Sul, a vuvuzela – uma corneta inspirada num instrumento da tradição zulu e que produz um barulho contínuo e irritante – emergiu como o patinho feio que foi capaz de desencadear violentas manifestações de condenação mas acabou convertido na grande vedeta da prova, apenas superada pela glória da vencedora Espanha.
Extrapolando a imagem para o também acabado de realizar primeiro Congresso Mundial sobre Anemia Falciforme, em Accra, pode dizer-se o mesmo de Medegan Fagla Jerome, o pesquisador do Benin que se desunha para convencer o mundo da eficácia da sua invenção, o VK 500. O homem é a síntese perfeita da história comovente do patinho feio, que todos olham com desdém e desconfiança, mas que, indo a fundo, acaba afinal por reunir um potencial soberbo que altera os dados da equação. Como dizia Antoine de Saint-Exupery, “o essencial para a vida é invisível aos olhos”.
Para o selecto e inacessível mundo dos que detêm o poder na intrincadíssima indústria farmacêutica, o beninense é figura com quem não há tempo a perder. Da mesma maneira como se olhou para a vuvuzela, desprezível instrumento tocado só para estragar o refinamento do espectáculo nos estádios, no fim de tudo, tivemos o mundo rendido ao estranho charme da corneta e agora o mundo do futebol já não passa sem a sua fúria ruidosa.
Para o caso, está visto não são os pares de Medegan Fagla Jerome os que o vão reabilitar: será a inevitabilidade do reconhecimento, por contínuo e consistente trabalho carregado de evidências clínicas, mais o essencial ensaio com uma amostra representativa de pacientes, que colocará ponto final a uma polémica que pode ter no fundo o cheiro dos cifrões.
O certo é que, do lado dos doentes, de Angola ao Brasil, de Moçambique ao Canadá, da Alemanha à RDC, todos os que se cruzaram alguma vez no caminho do beninense, têm-no como a sua vedeta e as centenas de mails com que entopem o correio electrónico do autor destas linhas e do próprio médico, encorajando-o a seguir em frente por ser ele a sua grande esperança, parecem dizer alguma coisa.
Espera-se então, com grande ansiedade, que tenha lugar o decisivo ensaio, para se aferir da eficácia (ou não) do VK 500. Se passar ao teste, é óbvio que pode abrir-se o caminho para a última batalha, que custa a prever como terminará.