domingo, 29 de junho de 2008

CRONICANDO NO JORNAL DE ANGOLA


Segurança privada e seus dilemas


por Luís Fernando



Surgiram na febre dos negócios privados que nasceram,como cogumelos,nos célebres tempos do abraço ao capitalismo. Ou, para usarmos a linguagem que se ajusta à época,vieram com a economia de mercado. Era moda, quase. Como as rolloutes.As empresas de segurança,delas falamos,ocuparam um espaço que revolucionou o meio.Passamos a contar com elas ao matabicho e ao jantar. Tornaram-se omnipresentes.Não há ponto da cidade (Luanda é o limbo delas) onde não se vejam os novos homens em armas.Como microscópicos exércitos. À entrada de edifícios, à porta de lojas, de instituições públicas. Nas cantinas, é hábito vê-los sentados ao fundo. De AKM em punho. Posição de ataque, quase.


Claro que aquilo que começou como uma novidade festiva, um dia tinha que fartar. E assim aconteceu de facto. Sobretudo depois que o transporte e escolta de valores (dinheiro) entrou para o “objecto social” dessas empresas. Muniram-se de viaturas blindadas e a segurança dos dinheiros alheios passou a exigir a intervenção de mini-exércitos. E a cidade encheu-se de mais sirenes, de mais armas e mais sustos. O trânsito, já de si problemático, ganhou um novo factor de caos. Os apressados “seguradores” queriam é passar, passar e acabou-se! Terá sido aqui que começou o coro de reclamações e protestos em torno desta actividade. Os primeiros pronunciamentos da Polícia a prometer nova conduta e nova postura ouviram-se então. Certo é que nunca foi o negócio da protecção de vidas e bens considerado pernicioso. Nem uma espécie de patinho feio da nova realidade, a do capitalismo emergente. De que se queixam autoridades e cidadãos é dos excessos. Porque todos reconhecem que as empresas de segurança projectam-se como auxiliares da Polícia Nacional na preservação da ordem, na manutenção da tranquilidade. A simples presença de um vigilante num local inibe a ousadia do delinquente. É óbvio.


O debate saiu à rua. Está na ordem do dia. Qualquer coisa precisa de mudar. A começar, se calhar, pelo poderio bélico concentrado em mãos das empresas.Já quase Exército Nacional e empresas de segurança não diferem.Pelo menos no que toca a armas individuais de infantaria. AKM de um lado e AKM do outro.Já só faltam, quase, canhões e tanques. O quem é quem impõe-se, portanto, diante desta promíscua convivência. As autoridades, nisto, estão claras: não se pode continuar a olhar, com indiferença, para esta realidade.É desejável, mais do que isso, fundamental, que o poder de fogo reunido pelas empresas de segurança seja reduzido. Para que não se quebre a proporcionalidade admissível entre público e privado, entre o Estado e os governados.No plano das relações institucionais, é esse o cenário. Que anda de estudo em estudo, de opinião em opinião.Cá abaixo, na realidade prática do dia a dia, as urgências, os dilemas e os conflitos são de outra natureza. Bem mais terrenal, pouco a ver com a filosofia, com legalidades, com normas de coabitação no espaço de todos nós, que é a Nação. Do que se fala aqui é da barriga dos empregados.


Milhares de homens colocados nessas empresas raramente dizem que ganham bem. Queixam-se dos salários. Dizem que são de miséria. Para sustentar verdadeiras barrigas de fome.Falam disso a medo. Sussurrando quase ao ouvido do repórter, não vá o diabo tecê-las. Quatro mil kwanzas é o que ganham alguns, quando ainda por cima sabem que pela sua cabeça o “patrão” factura folgadamente. Muitas vezes dois mil, três mil dólares. O que lhes vai parar ao bolso,como migalhas caídas de mesa de rico, são míseros quatro mil kwanzas.Vê-se neles revolta e inconformismo. Não poucas vezes, partem para soluções muito suas. Participam, em cumplicidade criminosa, nos roubos de que são alvo as empresas que era suposto protegerem. E depois somem. Ninguém mais os vê.O fim bizarro de uma relação laboral totalmente contrária ao que recomendam os gurús da gestão moderna. O conceito de empresa feliz não mora aí. Aquelas em que os trabalhadores são bem pagos, tratados como gente, para se sentirem parte do negócio, família, educados até para tolerarem provações como atrasos de salário, pedidos de ajuda indeferidos ou contrariedades de outro tipo.Sente-se que existe um desapoio a esses homens que encontraram nas empresas de segurança uma espécie de tábua de salvação. Porque,sejamos honestos,também não é muito o que em regra podem dar,em matéria de competências intelectuais.Quase sempre a tropa no ontem tenebroso roubou--lhes tempo e oportunidade para a aprendizagem. Domínio de ofícios não é coisa de que se possam gabar amiúde.


O conhecimento e a arte do gatilho é o pouco que resta. E os empregadores sabem disso. Instala-se uma espécie de ciclo de chantagem. Paga-se pouco porque ele precisa, necessita. Se estiver inconformado, abandona. E se abandona, outros quererão o lugar. E a dança fica por anos nesse desiquilibrado compasso. Uma verdadeira injustiça aos olhos de todos. Por isso, este tema é de soberba actualidade.

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